segunda-feira, setembro 22, 2008

Retratos



Parte I - A Generalidade

Nalguns, senão na maioria, dos SERVIÇOS PÚBLICOS, o "mau feitio" é tradição – já vem de longe e tende a piorar – faz parte das normas da casa dispensar o mínimo possível (não o necessário e suficiente) de atenção aos chatos dos utentes que buscam solução para os problemas pessoais nos serviços públicos, principalmente aos doentes, que pelo facto de se sentirem mal (ou, não se sentirem bem), se tornam ainda mais chatos para com os funcionários que estão ali apenas a cumprir o seu fado, melhor dizendo, fardo.

Pois claro, lidar com os contribuintes não é “pêra doce”. É preciso “rédea curta”, caso contrário os gajos abusam e às tantas começam a exigir um tratamento igual ao das outras pessoas, as que têm dinheiro, ou bons conhecimentos, que lhes permite usufruir de privilégios evidentemente, adequados ao seu “status” social.

"Ora aí está, o contribuinte vulgar, só tem que contribuir – é o seu papel principal - e mais nada!"

Parte II - A Entrada

Portanto, como ia dizendo, o “mau feitio” não é uma propriedade inata dos funcionários públicos requerida quando do concurso de admissão para o lugar. É mesmo assim como o nome diz, um feitio, (um formato) não uma forma de ser, mas de estar, muito (im)própria para atender os coitados que descontam, durante toda a vida, uma razoável percentagem do seu salário, para pagar os ordenados aos mal empregados e mal agradecidos (às vezes mal educados), que os vão atender, enquanto utentes, por exemplo, dos serviços de saúde pública.

Constata-se que, o tradicional método “mau feitio” dentro dos espaços do Serviço Nacional de Saúde, é como a gripe, um mal contagioso, que ataca logo à entrada do posto de saúde, o segurança da Portaria. O qual deixa entender claramente que só está ali para assegurar a segurança das instalações e não para segurar a porta e facilitar a entrada do utente. Por isso, ele pode ou não indicar o balcão ou o “guichet” onde o presumível doente “queixoso” se deve dirigir, para apresentar queixa de alegadas maleitas, enquanto o seu olhar do porteiro profissional, como um feixe de ultra-sons, inspecciona meticulosamente o candidato a doente, assim a modos que a inquirir silencioso,

«O que é que este quer daqui? Estará mesmo doente… ou vem só para chatear? Não se enganou na porta?»

Parte III - A Recepção

Uma vez flanqueada a portaria, o vírus da “má disposição”, passa facilmente ao ataque do pessoal do Balcão de inscrições para atendimento.

«Então o que é que o traz cá? Ah, sim, acha que está doente mas não sabe o que é que tem… ora bem, para já, tem que pagar a taxa moderadora! Para quê? Ora pois, como o próprio nome diz, é para moderar... o quê? Os impulsos! Os abusadores que têm a mania de recorrer aos serviços médicos do SNS sempre que desconfiam que estão doentes. Bem, vá lá…»

O Cartão de Utente. O Número de Contribuinte? Esse, não é preciso. Aqui, o que faz falta é o Número de Beneficiário (é verdade, tinha-me esquecido e convém realçar que, neste caso, o contribuinte queixoso é considerado um beneficiário – o que só piora as coisas, pois em princípio, quem que beneficia deve limitar-se a receber o que lhe quiserem dar e não se armar em “pobre e mal agradecido”- não tem direito a reclamar.

Umas dicas:
- é sempre bom ter a jeito o Cartão de Sócio do ACP, para chamar um reboque, na hipótese (bastante frequente) de o beneficiário vir a ser redireccionado para outro local de atendimento, geograficamente distante.
- e não é má ideia ter à vista, o Cartão de sócio do SLB - se possível com as quotas em dia. Não é ainda obrigatório, mas pode ajudar, dado que, é enorme a probabilidade de o candidato a doente vir a ser atendido por um funcionário, adepto do Benfica.

"Estima-se em cerca de 6 Milhões o número de adeptos e simpatizantes do Glorioso".

Parte IV - A Filtragem

Ultrapassada a grande barreira de burocracia instalada no ”guichet” de recepção, o insidioso vírus consegue contagiar até o dúbio personagem (doutor enfermeiro?) que actua na Sala de Triagem. Após (mais um) sucinto interrogatório, ele decide colar no peito do infeliz paciente, uma etiqueta verde, amarela ou laranja, que irá definir o grau (ia dizer, de urgência, mas não é) de morosidade com que o utente foi agraciado, de acordo com o critério de avaliação estipulado no conhecido Sistema de Triagem de Manchester - não sei se é do Manchester United, do Ronaldo, ou do Manchester City, só sei que, felizmente ou infelizmente, não é o famoso Sistema do Pinto da Costa... aquele de que toda a gente fala mas ninguém consegue definir em concreto.
Adiante, adiante...

Parte V - A Sentença

Muitas horas depois, a coisa (o “mal estar”) alcança finalmente o mais custoso, o clínico generalista, que se encontra preparado para cumprir à risca o seu papel de “inquisidor-mor” neste processo sumário de avaliação do estado de saúde do paciente-contribuinte-beneficiário. O tecnocrata da saúde pública, da bata branca e estetoscópio ao pescoço, que treinou durante seis anos ou mais, para avaliar e decidir se o beneficiário está ou não doente e se, por esse facto irá, ou não, beneficiar de,
  • - uma orientação (a prescrição médica) para tratamento semi-gratuito, inscrita numa espécie de decreto validado com código de barras, exarado numa espécie de escrita esotérica que só o técnico tradutor da Farmácia irá compreender;
  • - ou, de uma indicação para cirurgia, que nestes tempos (de socialismo em democracia) equivale mais ou menos a um requerimento de certidão de óbito, pois, a partir daqui, o beneficiário é despachado para o fim da lista à espera de vez - a Lista de Espera, para intervenção cirúrgica, que já conta com 250.000 candidatos/beneficiários/pacientes;
  • - ou, “in-extremis”, ser agraciado com um internamento para intervenção de urgência de alto risco, ou em alternativa, uma baixa de oito dias, para o beneficiário poder tratar das coisas para o funeral.